Por Sérgio Santa Rosa
Ao longo dos anos, diversos comunicadores ficaram famosos ao imprimir o sotaque interiorano aos seus programas de rádio. Duplas e cantores também assumiram a função de apresentadores, utilizando sua experiência de entreter plateias em shows realizados nos inúmeros circos que visitavam as mais longínquas localidades pelo interior do Brasil. O picadeiro, aliás, foi outro elemento de extrema importância para a difusão da música caipira.
“Não podemos pensar no rádio sem pensar no circo. São coisas que andavam um pouco juntas”, menciona Ivan Vilela. “O próprio formato do programa de rádio era o de uma apresentação de auditório, mesmo que não tivesse público presente”.
Cornélio Pires também foi um pioneiro na radiodifusão da cultura caipira. Ainda na década de 1920, ele estava no ar apresentando causos, imitações de aves e canções da sua turma de “caipiras legítimos” na Rádio Educadora Paulista. Na mesma emissora, o cantor paulistano Paraguassu, pseudônimo do filho de italianos Roque Ricciardi, fazia sucesso com um programa também de inspiração rural, que nos anos seguintes migraria para a Rádio Cruzeiro do Sul (futuramente Rádio Piratininga) e Rádio Tupi. A partir dos anos 30, o locutor e humorista Chico Carretel passa a apresentar, na Rádio Cruzeiro do Sul, o programa “Manhãs na Roça”, onde os ainda iniciantes Tonico e Tinoco venceram um concurso de calouros e, em cujos bastidores, os jovens Pedro Bento e Zé da Estrada, futuramente uma das duplas mais populares do Brasil, se conheceram.
Dupla mais emblemática do gênero e gigantes do mercado do disco, Tonico e Tinoco tiveram sua história muito ligada ao rádio. Ainda garotos, cantavam na Rádio Clube de São Manuel. Venceram concursos de calouros, como a “Peneira Rodhine”, da Rádio Cultura, e o programa de Otávio Gabus Mendes, na Rádio Record, além do citado “Manhãs na Roça”. A consagração da dupla viria em 1942, no “Arraial da Curva Torta”, na Rádio Difusora, programa apresentado pelo Capitão Furtado, pseudônimo de Ariovaldo Pires, sobrinho de Cornélio Pires. Lá eles ganharam um concurso para encontrar a dupla substituta de Palmeira e Piraci, que haviam sido contratados pela Rádio Nacional. Foram aplaudidos de pé cantando a moda-de-viola “Adeus, Campina da Serra”, de Cornélio Pires e Raul Torres. Foi no “Arraial” que ganharam também, o epíteto de “Dupla Coração do Brasil”. A partir de 1947, na Rádio Nacional, Tonico e Tinoco apresentariam seu próprio programa, o “Na Beira da Tuia”, sucesso por décadas, que passou também pela Rádio Bandeirantes e teve versões para a televisão.

O Capitão Furtado, além de compositor e pesquisador, foi um dos mais importantes comunicadores do rádio com sotaque caipira. Além do “Arraial da Curva Torta”, ficou no ar por décadas em programas como “A Roda dos Violeiros”, “A Trinca do Bom Humor” (com Alvarenga e Ranchinho), “Repouso” e “Poemas Sertanejos”. Sua trajetória é marcada pelas oportunidades dadas aos inúmeros artistas populares. Além da divulgação da música interiorana paulista, abriu espaço para cantores e compositores de Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. Também produziu versões de músicas estrangeiras, escreveu livros sobre o caipira paulista e esquetes de humor para o rádio e o disco.
Por muitos anos, Alvarenga e Ranchinho levaram seu humor e seu modo de falar deliciosamente interiorano aos microfones da Rádio Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro, e de outras emissoras. Embora urbanos, e com um repertório que continha sambas, tangos e marchinhas de carnaval, cantavam em dueto, ao modo das autênticas duplas caipiras. Suas canções são até hoje bastante apreciadas pelos ouvintes de música raiz.
Na Rádio Tupi de São Paulo-SP, no programa “Mutirão do Sumaré”, brilharam Brinquinho e Brioso, que apresentavam o programa junto com Nhô Zé, recebendo Raul Torres e Florêncio, Mario Zan, Cascatinha e Inhana e tantos outros. “Na Casa dos Fazendeiros” era apresentado por Paiozinho e Zé Tapera, na Rádio Cultura. O compositor, Zacarias Mourão trabalhou por décadas no rádio, em emissoras como Bandeirantes, Excelsior e Nacional, e é tido como responsável pelo lançamento de vários talentos da música sertaneja.
Na Rádio Record, “Os três Batutas do Sertão”, era apresentado pelo trio formado por Raul Torres, Florêncio e Rielli. O ouvinte de rádio poderia ainda buscar o “Isso é Sertão”, com Zé Russo; “Festa na Roça”, com Lulu Benencase ou mesmo as criações de Geraldo Meirelles: “Prelúdio Sertanejo”, “Canta Viola” e “Na Fazenda do Compadre Geraldo”.
Nhô Crispim, com seu “Alvorada Sertaneja”, fez sucesso na Rádio América de São Paulo. Na Rádio Bandeirantes brilharam o Comendador Biguá com seus “Amanhecer da Minha Terra” e “Na Serra da Mantiqueira”, e o Capitão Barduíno, pseudônimo do também compositor Pedro Astenori Marigliani, com seu “Brasil Caboclo”.
O sanfoneiro Zé Béttio, falecido em 2018, aos 92 anos, é um caso à parte no rádio brasileiro. Foi um fenômeno de audiência em âmbito nacional por décadas, a partir do final dos anos 1960. Em sua longa e bem sucedida carreira passou por emissoras como Rádio Cometa, Rádio São Paulo, Rádio Record, Rádio Capital e Rádio Gazeta. Eternizou vários bordões populares e lançou nomes importantes da música caipira. Por muitos anos, foi o profissional mais bem pago do rádio brasileiro.
Houve ainda Moraes Sarmento, na Rádio Bandeirantes de São Paulo com seu programa “A Bandeirantes Viaja com Você – Saudade da Minha Terra”, levado ao ar diariamente das 4 às 5 horas da manhã, dedicado aos operários e caminhoneiros e divulgando músicas sertanejas. Batizado com o nome da já citada obra-prima do compositor Goiá, o programa foi uma das muitas iniciativas de Sarmento voltadas para a valorização da música brasileira. No início dos anos 1980, ele criaria o “Viola, Minha Viola”, na TV Cultura de São Paulo, ajudando a matar a eterna saudade do caipira, seja ele nascido ou não no campo, dessa vez pela televisão.
Parceira de Moraes Sarmento na apresentação do “Viola, Minha Viola”, a grande Inezita Barroso também brilhou no rádio apresentando o programa “Estrela da Manhã”, de 1972 a 1999, na Radio Cultura.
Pelo interior afora, por décadas, centenas de programas radiofônicos dedicaram-se a tocar a música que falava diretamente ao povo de origem simples, sertaneja, sempre fiel à arte dos bons violeiros e do canto duetado emanado dos peitos sadios das duplas caipiras.
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